Estava vasculhando os armários antigos da minha avó
procurando fotos antigas pra terminar de montar a árvore genealógica da família
Rodrigues, nunca imaginei que fosse dar tanto trabalho ser descendente de
portugueses, mas, era algo que me intrigava.
Nunca me imaginei como uma “Bruna Rodrigues”, naquele
meio familiar, social e até mesmo em relação aos meus amigos tinha me afastado,
era como se uma grande nuvem escura pairasse sobre mim o tempo todo e por mais
que eu quisesse, não conseguia sair daquele limbo de pensamentos ruins que só
cresciam e me dominavam com o passar dos dias. Eu sentia a tristeza na minha
pele, nos meus dedos e em cada parte mínima minha que fosse, a dor de ser
inútil me corria e me inundava que, por vezes, preferia estar em uma ilha
deserta do que conversar com alguém.
Porém, era óbvio que ninguém percebia. Se tinha uma
coisa que eu tinha me tornado mestra era em fazer piadas em momentos
necessários e sorrir nos momentos oportunos, todos me visualizavam como um
membro exemplo da família Rodrigues, pois, eu cumpria o papel de boa filha ao qual fui designada com nota
dez.
Espirrei e vi dentro do báu, um caderno remendado e se
desfazendo em virtude do tempo de uso, passei a mão para retirar a camada de poeira
e li, a palavra “diário”. Me questionei o quanto seria evasivo ler algo dali,
mas, a curiosidade moveu minhas mãos antes que eu pudesse concluir qualquer
coisa.
Na primeira página, tinha uma carta que mais parecia
um relato. A data estava manchada.
“Eu decidi que não aguento mais, meu nobre diário. É
uma dor que passa por todos os meus órgãos, eu não quero mais viver no canto
escuro e inesperado. Não quero mais sorrir sem sentir absolutamente nada, não
tenho mais forças para chorar.
Aproveitei que era madrugada e procurei pela casa algo que pudesse cessar tudo indefinidamente, a ânsia de vômito pelo nervosismo era tamanha que mal conseguia andar, pois, minhas pernas tremiam. Mas, eu sabia, eu sabia que aquela madrugada seria a última. Procurei por algo afiado, contudo, parece que tudo estava muito bem escondido, até que desabei no chão da sala com as minhas mãos segurando meu corpo, eu me remendava a todo instante, com os olhos cheios de lágrimas, olhei para algo brilhante no canto da mesa, era a caixinha de agulhas. Não era bem oque eu procurava, porém, era a minha válvula de escape.
Me arrastei até a mesa, já que o meu corpo se recusava a andar e apenas se tremia, eu tinha medo, medo de alguém chegar, medo de ser covarde, mas, o meu maior medo era continuar vivendo naquele fingimento e isso era oque movia minhas mãos ao abrir aquela caixa e pegar as agulhas. Foi quando direcionei para o meu pulso esquerdo e comecei a colocar a pontinha na minha pele, afundando e criando um caminho, o caminho que naquele momento era o meu livramento, a minha liberdade para algo maior.
Foi quando eu senti um baque. Não conseguia respirar, as lágrimas cessaram e foi um sentimento que inundou todo meu corpo em êxtase, eu congelei por alguns segundos e senti a presença de alguém ali.
Obviamente, eu não enxergava a pessoa, mas, senti que tinha alguém ali. Então, minha mente foi inundada por memórias, dos meus pais me abraçando em comemorações e momentos difíceis, todas as minhas suadas conquistas, as histórias com os meus melhores amigos e percebi o quanto cada um me amava de uma maneira intensa e profunda. Era o que eu sentia naquele momento. Então, as agulhas caíram da minha mão e aquilo não fazia mais o menor sentido. O meu clique, o sentimento, a gratidão por algo que eu jamais vou conseguir entender ou descrever, eu percebi que, por mais que pensamos nas derrotas e nos momentos sufocantes, nós nunca estamos sozinhos. Nunca mesmo.”
Quando eu terminei de ler aquilo, meu corpo estava
frio e eu apertava o diário sob o meu coração, era inacreditável como um relato
teria tanto efeito na minha vida. Obrigada vó, afinal, por me fazer enxergar
que nós nunca estamos sozinhos. Nunca mesmo.