sexta-feira, 10 de setembro de 2021

Não vou.

 

- Você sabe que precisa tentar, já se passaram 730 dias. Não existe nenhum tipo de documentação que de pra você adiar isso, a realidade vai te puxar, de uma forma ou de outra.

Escutei e senti todo o meu corpo se remoer em um labirinto de emoções e medos, a reclusão tinha sido a melhor forma de escapar desse mundo que me embalsamava com seus juízos de valor, até porque é muito fácil apontar e dizer oque deve fazer quando não foi você que passou pela situação. Meu cabelo liso que era enorme, estava na altura da minha orelha, eu tinha tido a ideia de cortar em uma madrugada tentando fugir da realidade novamente. Respirei fundo, olhei para a silhueta alta e com os cabelos castanhos escuros que bufava perto de mim, sua camisa estava molhada pela chuva do final da tarde, ele passou a mão lentamente pelo rosto tentando limpar as gotas de chuvas que se acumularam ou seriam suas lágrimas? Seus olhos estavam vermelhos, ele sempre chorava quando vinha me pedir reações. Respirei fundo e tentei acalmar a minha mente, quando disse:

- Eu não quero e não vou. Você sabe que não é questão de dias, horas ou minutos, mas de momentos e sensações. Eu não consigo, eu não sinto.

Ele desviava o olhar enquanto escutava a mesma frase de sempre, então continuei.

- Existe uma parede ali e eu não consigo passar dela, já empurrei, já tentei chutar e só me machuquei. Existe um vácuo nesse pequeno espaço entre ela e eu. Cara, eu não consigo, eu não sinto nada. Você me entende? N-a-d-a.

Senti o peso do seu olhar sobre mim na porta da minha casa, vi seus ombros ficarem tensos e ele deu um passo em minha direção, vi apertar suas mãos, estava nervoso, eu sabia oque estava por vir, já havia decorado suas falas, ele respondeu:

- Uma hora, não sei quando, mas você vai precisar matar esse fantasma que te persegue. Nem todo mundo é escroto nesse mundo e tu sabes disso.

- Eu sei que não. Quando eu estava chorando de madrugada pedindo que a dor passasse de alguma maneira, quem estava lá? Eu. Quando eu me culpei por todos os erros de terceiros quem estava lá? Eu. Quando eu fiquei sufocada com tanta coisa pra falar e a minha única solução foi ficar calada pra não sobrecarregar ninguém, quem estava lá? Eu. Quando eu prometi pra mim mesma que não me deixaria NUNCA MAIS em nenhuma situação parecida, quem estava lá? Eu. Quando cada nervo do meu corpo se contorcia como se estivessem queimando a minha pele só de comentar sobre tal assunto, quem estava lá? Eu. Quando eu pensei e coagitei que só existia um caminho possível pra me livrar dessa dor, quem estava lá? Eu. E, principalmente, quando eu não conseguia respirar no meio do banho por ter que chorar escondida e depois fingir estar feliz na frente de todos, por que tu sabe, ne? Esse é o esperado de mim.. quem estava lá? Eu. Então, quando tu coagitares que não me dou essa chance, espero que consigas voltar no tempo e estar presente nesses momentos.

Então, eu sacudi a minha mão sinalizando um adeus e vi a silhueta daquele ser dissipando no ar, suspirei e finalizei: Eu não quero e não vou, passar bem.